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Meu primeiro olhar para a advocacia foi fruto da defesa do acusado de um dos crimes de maior repercussão no Brasil, no final da década de 1970. O criminalista Dr. Evandro Lins e Silva defendeu o réu confesso Doca Street pelo assassinato de Ângela Diniz, com a tese de legítima defesa da honra e obteve uma pena de dois anos de detenção com direito ao "sursis", que para o caso, era quase uma absolvição do réu. Alguns anos depois do julgamento, li uma entrevista do Dr. Evandro sobre a sua atuação como advogado: "A advocacia é um chamado. Se um pecado cometi na profissão, foram as poucas vezes em que acusei. Das defesas não me arrependo. Uma situação me atormenta até hoje, passados 40 anos: um médico teria matado um rapaz por fazer barulho na rua. Acusei, o júri popular condenou e ele se matou na prisão. Eu me arrependo de ter acusado, mesmo convencido de que ele era culpado, me questiono, e se não fosse? E se a decisão foi mais resultado de minha eloquência do que dos indícios concretos?".
Por mais encantada que ficasse com o Tribunal do Júri e pela eloquência, de regra, da defesa, desde que tomei a decisão de seguir a carreira, constatei que o direito penal não era a área que queria atuar. Talvez, por ser muito jovem, acreditasse que o paradoxo do advogado de se manter honesto e digno, defendendo criminosos fosse muito difícil, ou talvez por desconhecer, na época, os inúmeros casos de injustiças cometidos quando da condenação, por não ter o acusado possibilidade de constituir uma defesa qualificada. Mas uma certeza, mesmo com o passar do tempo, mantenho: jamais acusaria.
A advocacia é uma bela carreira, pois ser advogado é viver a vida imbuído do espírito da justiça, sem nunca se afastar da ética e da moral e, principalmente, sem esquecer que a justiça é feita pelos homens, que são seres falíveis. Ser advogado exige leitura, conhecimento e poder de convencimento. Ser advogado é ter a consciência de que, quando chamados, devemos prestar socorro ao outro que busca a justiça, que é inocente até que seja julgado em última instância. Ser advogado é ter a convicção de que a presunção da inocência é um dos elementos fundamentais do estado de direito, devendo ser vigiada, lembrada e defendida.
A carta escrita pelo Dr. Ruy Barbosa, publicada no Diário de Notícias, em 3 de novembro de 1911, sob o título: "O Dever do Advogado" é leitura obrigatória, não apenas pelos advogados e estudantes do direito, por ser uma lição eloquente de ética profissional, mas por todos aqueles que acreditam na liberdade, igualdade e fraternidade, como princípios fundamentais para uma vida pacífica em sociedade. A carta é uma resposta ao Dr. Evaristo de Moraes, na época não formado em direito, que pedia orientação ao mestre se deveria ou não atuar na defesa do acusado de um crime passional de grande repercussão social que a imprensa já intitulava indigno de defesa. As palavras do Dr. Ruy Barbosa demonstram a grandeza do jurista e, mesmo escritas há mais de 100 anos, reproduzem os sentimentos de ética, solidariedade e justiça que devem pautar a vida das pessoas e principalmente dos que fazem da advocacia a sua missão de vida. "...Mesmo que certas causas sejam impopulares e previamente taxadas como indefensáveis e aqueles que as defendem sejam chamados de amorais, o direito à defesa é um direito fundamental da sociedade democrática...A defesa é a voz do direito do acusado...Se a enormidade da infração reveste caracteres tais que o sentimento geral recue horrorizado ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isto essa voz deve emudecer. A voz do Direito no meio da paixão pública tem a missão sagrada de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel. Não há acusado "indigno de defesa". O furor dos partidos tem posto muitas vezes os seus adversários fora da lei, mas, perante a humanidade, perante o cristianismo, perante o direito dos povos civilizados, perante as normas fundamentais do nosso regime, ninguém, por mais bárbaros que sejam os seus atos, decai do abrigo da legalidade. O advogado deve ser honrado reivindicando, no julgamento dos criminosos, a lealdade às garantias legais, a equidade, a imparcialidade, a humanidade..."